Agachamento a fundo: todos podem fazer?

“The deep squat is primarily governed by genetics”  (Stuart McGill, Stanford, 2013).

Agachamento Profundo: Reflexões sobre uma informação disseminada nas redes sociais sem considerar um ponto importante do Treinamento Desportivo: A “individualidade biológica”.

Nos últimos anos cresceu o número de profissionais defendendo o agachamento profundo para todos os alunos. Com o fácil acesso a informações através de redes sociais, muito praticantes aderiram a esta proposta que enfatiza o raciocínio de que maiores amplitudes exigem um aumento do recrutamento de unidade motoras durante o exercício e a ativação muscular. Nas últimas semanas surgiram as primeiras postagens de colegas alertando sobre esse tema (Agachamento Profundo: Quem pode fazer?), porém pouco se explica sobre dois fatores importantes diretamente relacionados a saúde do aluno:

Gostaríamos de expressar nossa opinião fundamentada em dois aspectos:

1) Fator Fisiológico: Nem sempre maior recrutação motora (ativação muscular por EMG) está associada a hipertrofia, vide alguns estudos recentes questionando a utilização inadequada da EMG. O processo de hipertrofia é complexo e precisa da união de vários fatores fisiológicos , como tensão mecânica, dano muscular, estresse metabólico, sinalização anabólica intramuscular, entre outros para acontecer. Em outras palavras, não é tão simples assim apenas aumentando a “amplitude de movimento ou a recrutação motora”.

Saindo dessa questão sobre hipertrofia, pois ela vai além de qualquer texto na rede social. Vamos ao segundo ponto nessa discussão que consideramos mais importante: a saúde do aluno a longo prazo e as consequências do desgaste articular através de grandes amplitudes no treinamento de agachamento para aumentar a chance de “hipertrofia muscular” nos membros inferiores, somado ao alto volume de treinamento. Para explicar o segundo fator determinante na escolha ou não do agachamento em grandes amplitudes, vamos utilizar um tema muito conhecido no Treinamento Desportivo: o “Princípio da Individualidade Biológica”.

2) Fator Anatômico: Existem diferenças anatômicas entre cada indivíduo que irão determinar a real amplitude de agachamento a ser adotada durante o treinamento.

Nem todos os quadris são iguais. O Professor Stuart McGill, assim como outros pesquisadores, vem demonstrando através de estudos que a arquitetura da pelve e do fêmur varia geneticamente e isso determinará que tipo de agachamento o aluno deverá fazer sem sofrer consequências degenerativas em suas articulaçãoes, como por exemplo o impacto femoro-acetabular (IFA) e lesões na coluna lombar.

O desenvolvimento de displasia no quadril (DDQ) demonstra uma predominância entre alguns grupos raciais e localização geográfica. A incidência de instabilidade do quadril neonatal clínica varia de 0,4 em africanos para 61,7 em caucasianos poloneses. Preditores de DDQ são formato da pelve, história familiar positiva e sexo (feminino). Frouxidão ligamentar e anormalidades no metabolismo do colágeno,  metabolismo do estrogênio, e com a gravidez associada a instabilidade pélvica são associações bem descritos com DDQ. Muitos estudos demonstraram um aumento da DDQ em ambos os hemisférios Norte e Sul.  Estudos arqueológicos demonstram que a epidemiologia da DDQ pode estar mudando.

O Professor McGill durante suas prática observou que indivíduos com herança genética do Leste Europeu têm tendência a possuir o acetábulo do quadril menos profundo, permitindo maior amplitude de movimento. Esse formato anatômico possui uma grande vantagem no movimento de agachamento profundo necessário para um levantamento olímpico de alto nível. Por esta razão, muitos levantadores de peso olímpico de renome mundial são provenientes da Polônia, Bulgária, Ucrânia ou  têm herança genética dessas regiões.

Se a herança genética for proveniente da região celta e francesa, o acetábulo do quadril geralmente tem um formato mais profundo. Esse formato é uma grande vantagem para padrões de movimento com potência rotacional, ficar de pé andar, porém esses alunos devem evitar agachamentos profundos, pois correm o risco de desenvolver lesões associadas ao contato precoce do acetábulo com a cabeça e colo do fêmur e por realizarem uma grande retroversão pélvica e retificação lombar a fim de completar o movimento de grande amplitude.

Essa correlação genética foi observada e comprovada, mas como sempre pensamos em individualidade de treinamento, existem alguns testes que podem ser executados durante uma avaliação física para avaliar o formato e geometria do acetábulo de um aluno e dessa forma, determinar de forma mais segura a amplitude de movimento ideal para a execução do exercício de agachamento.

Em breve mostraremos um vídeo com os testes propostos pelo Professor McGill para esta avaliação.

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By | 2018-01-11T18:10:49+00:00 outubro 4th, 2017|Artigos|0 Comentários

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